domingo, 23 de novembro de 2008

Greed - Ouro e Maldição, de Erich Von Stroheim EUA, 1924





Greed ("ganância, cobiça"), traduzido no Brasil como Ouro e Maldição, é um estupendo filme. Mas é também mais que isso, para o bem e para o mal dele. Hoje, é acima de tudo um mito: é o mais famoso filme perdido de todos os tempos. Sim, aquilo que vemos diante da tela, por mais emocionante e visionário que seja, é apenas uma pequena amostra daquilo que deveria ser o filme de Erich Von Stroheim.

A história é conhecida. Apaixonado pelo grandioso romance naturalista McTeague (1899), de Frank Norris (1870-1902), Stroheim começou em 1923 a rodar uma adaptação do livro para a Metro-Goldwyn-Mayer. A mitologia em torno do filme – é um dos filmes sobre os quais se conta mais histórias do boca-a-boca em todos os tempos – diz que Stroheim julgava fazer com a adaptação de McTeague sua grande obra-prima. No total, foram rodados 446 rolos de filme. A primeira versão editada pelo diretor, segundo a lenda, variava entre 42 e 47 rolos, algo entre 8 e 10 horas. A segunda, de algo acima de quatro horas, foi também recusada pelo estúdio, assim como a versão do montador Grant Whytock (3h). A MGM tirou o filme das mãos de Stroheim e o filme foi lançado em uma versão de 130 minutos, o resto do material tendo sido queimado pelo estúdio anos depois, segundo se conta, para vender as quantidades ínfimas de prata extraíveis a partir do nitrato com que se fazia negativos. Stroheim nunca assistiu à versão exibida comercialmente.

Mitologia ou não, essa história apenas acrescenta e amplia a problemática tratada no próprio filme: o efeito devastador que o dinheiro pode ter na vida das pessoas. Poeta da decadência moral a da prevalência da força sobre a generosidade, Erich Von Stroheim retrata em Greed a vida de três amigos transformados em lobos um do outro a partir do momento em que Trina, a futura esposa de McTeague, ganha US$5000 de prêmio numa loteria. Marcus, primo de Trina e seu antigo pretendente, passa a invejar loucamente McTeague por seu sucesso (mais pelo dinheiro que pela garota) e Trina entra em delírio de avareza, o que fará McTeague se exasperar e readquirir os hábitos violentos que tinha quando era minerador.

Um dos aspectos mais impressionantes em Greed é a construção dos personagens. Sobre elas, não se deve falar tanto de psicologia, mas de psicofisiologia. Como todo bom ficcionista naturalista, o comportamento dos personagens deriva menos das decisões que eles tomam de acordo com seu caráter mas de um misto de conteúdo genético adquirido (McTeague é apresentado por uma cartela como tendo a ternura da mãe mas também a carga animal que herdou do pai) e resposta quase animal ao meio em que vive (assim, McTeague passa a ser menos agressivo quando em companhia da jovem Trina). Contudo, mesmo com todos os inúmeros cortes que o filme teve por seus produtores, os três personagens principais revelam nuances de comportamento muito vastas e ricas, inéditas no cinema mudo e raras até hoje (difícil ver filme hoje em que os personagens se reinventam a cada cena).

Presas dos instintos unicamente, os personagens de Greed são muitas vezes refletidos em animais. Numa cena de enlace amoroso consentido (mesmo que ambígua), a cena corta para os dois passarinhos de estimação do casal, que brincam. Quando McTeague agride sua mulher, os pássaros, esfomeados, se bicam. Quando fica claro que foi Marcus que denunciou a falta de diploma de seu ex-colega, uma fusão o compara a um gato que covardemente pula sobre a gaiola dos pássaros para saciar sua fome. Ainda em outra situação, cobras e lagartos exprimem a aridez do ambiente e do comportamento dos personagens.

Quanto à seqüência final, filmada no Death Valley americano, nada a dizer a não ser que ela antecipa em quase 40 anos os planos exaustivos que fizeram de Antonioni um dos papas do cinema moderno e a luminosidade abrasiva que fará clássicos dos anos 60, de Bergman a Glauber Rocha.

Apesar de todas as mutilações e violências que sofreu, Greed ainda continua uma fonte inesgotável de novidade.

Ruy Gardnier


Sinopse:

Começo do século. McTeague vive na penúria trabalhando numa mina. Querendo mudar de vida, vai para a Califórnia, onde passa a trabalhar como dentista, sem entretanto ter qualificação acadêmica. Apaixona-se por Trina, prima de seu amigo Marcus, e casa-se com ela. Mas tudo dá errado: ao passo que McTeague tem cassada sua licença, sua mulher vai rapidamente transformando-se numa avarenta depois de ter ganho um prêmio de US$5000 na loteria. Embriagado e num momento de angústia, McTeague assassina sua esposa e parte para o deserto com o dinheiro da loteria, mas Marcus sai atrás dele para capturá-lo e roubar-lhe o prêmio. O fim só pode ser trágico. Adaptação do romance "McTeague" de Frank Norris.


Filmografia de Erich Von Stroheim:

1918 Blind Husbands (Maridos Cegos)
1919 The Devil’s Passkey
1921 Foolish Wives (Esposas Ingênuas)
1923 Merry Go Round
1924 Greed (Ouro e Maldição)
1925 The Merry Widow (A Viúva Alegre)
1928 The Wedding March (A Marcha Nupcial)
1928 The Wedding March II –Honeymoon
1928 Queen Kelly (Minha Rainha)
1933 Walking Down Broadway (Alô, Beleza)


texto extraído do site http://www.contracampo.com.br/sessaocineclube